quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Dia de Amar seu Corpo - 2011

 
 
UM FRUTO


A juventude
houve
como um fruto.

Hoje habito uma casa
polpa madura de mulher
meu corpo.

Amanhã haverá uma flor.
Não sei onde.

Renata Pallottini (De Ao Inventor das Aves, 1985)
 
 



Dia de amar seu corpo

Dia de Amar seu Corpo - 2011 -






Muito e pouco me vem a cabeça para falar sobre este dia; das muitas coisas que poderia e deveria falar. Ando meio de porre com este assunto.

Sou da geração que aprendeu na televisão a odiar o próprio corpo, que teve um breve vislumbre de esperança e abertura, mas que mergulhou na mesmice e na caretice.

Vejo os jovens cultuarem seus corpos dentro de uma artificialidade, onde toda a transformação corporal é uma violência enrustida, é vilipendiação do corpo. Lipoaspiração, plásticas, implantes, exercícios extenuantes, procedimentos médicos muito próximos à tortura e da irresponsabilidade médica. A saúde que deve ser almejada, foi substituída por um ideal de beleza física fora da realidade. A fotografias das revistas e na Internet são maquiadas eletronicamente, são irreais. Almejam o que não existe.

O que mais me assusta nisto tudo é a postura dos ditos profissionais, médicos que corroboram com as mentiras espalhadas pela mídia. Atribuem á obesidade malefícios que não existem de fato, que resvalam na paranóia coletiva. É claro que devemos buscar por uma existência saudável, mas a saúde mental é a mais importante de todas. Tudo deve estar dentro do razoável, da ciência verdadeira, não a patrocinada pelas grandes farmacêuticas, e do bem estar consigo mesmo.

Sou obeso, e tenho muita dificuldade de me olhar no espelho e não dizer: monstro. Anos e anos de massacre fizeram seu estrago. Mas tenho aprendido aos poucos a conviver comigo mesmo em paz.

Mas o que pega é que sou humano, não importa minha forma, minha cor, meu credo, meu gênero. O que importa é que sou humano em tudo o que isto significa.

O que importa que eu seja um “ente humano”, capaz de amar e viver a poesia.


#LYBD

Dia de amar seu corpo


sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Exercício de criação 28





Seu Antonio.


Sentava-me paciente na sala para ouvir meu avô contar suas histórias. Tomávamos café e em minha mente construía mundos fantásticos. Fiz isto quase todos os dias por muitos anos.

Com o tempo minhas visitas foram escasseando. As histórias foram ganhando intervalos, até que começaram os silêncios.

Cismei que ia morrer, meu avô. Levei meu neto para que visse seu tataraneto. Demorou para entender o que aquilo significava. Mas contou nos dedos as cinco gerações que foram fixadas em uma foto. Cinco gerações juntas.

Via nos olhos de meu avô, uma alma que se afundava cada vez mais no ocaso. Balbuciava palavras no vêneto de sua infância.

Sentava-me na sala, para ouvir os silêncios de meu avô, até que não consegui mais ir. Quando se foi, eu não estava lá.

Um dia sentei na sala vazia. Permaneci ali por algum tempo em silêncio. Nunca mais visitei aquele lugar.

Não havia mais histórias para serem contadas.




Exercício de criação 28



Exercício de criação 27



vidros longos e lilases


Edson Bueno de Camargo

emerge da pedra
mãos em tesoura


a aranha mais antiga do mundo
de idade sem conta
cose o destino


bagunça dos elos entre as paredes
o mundo é um vaso trincado
cheio de nada


( marcianos observam tudo de longe
com seus vidros longos e lilases)


Exercício de criação 27
http://gambiarraliteraria.blogspot.com/2011/08/exercicio-de-criacao-27.html



Exercício de criação 26 - passagem por Elk Canyon em Black Hills

"Giant Bluff." Elk Canyon on Black Hills and Ft. P. R.R.. It was created in 1890 by Grabill, John C. H., photographer.

http://www.old-picture.com/old-west/Locomotive-Steam.htm




passagem por Elk Canyon em Black Hills

Edson Bueno de Camargo


fotografias
prendem acontecimentos
no papel
memória transportável
fixada em tons de cinza

trem parado em Elk Canyon
descansam os trilhos
a locomotiva
vapor parado no tempo
uma senhora de luto
trabalhadores da ferrovia
a vida
tudo em suspensão para sempre

contadas muitas estações
passaram os vivos
enterraram o trilhos
cortaram os pinheiros
nasceram outros
nova floresta
velhas pedras

o grande muro de pedra
impassível
testemunho parado de montanha

quantas passagens por Elk Canyon
quantos olhos olharam o paredão
quanto sangue sioux correu aqui
aqui o Grande Espírito
também chorou os mortos
e cobriu de branco a terra
em luto

(e ao esquecimento
nos condenou)

estou diante da prata precipitada
diante de meu olho
a luz de dois séculos

Exercício de criação 26



quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Exercício de criação 25 - Gambiarra Literária



almíscar

Edson Bueno de Camargo

um copo
tombado à mesa

as últimas gotas
nas bordas da toalha
leves cristais
nas pontas do rendado

no ar
um perfume almiscarado

(rastro de uma presença)





Exercício de criação 25

http://gambiarraliteraria.blogspot.com/2011/08/exercicio-de-criacao-25.html





Exercício de criação 24 - Gambiarra literária



pitangas maduras

Edson Bueno de Camargo


seguir pelo asfalto molhado
até a trilha de outono
em que folhas miúdas
indicarão o caminho

se estivermos
na primavera
pode ocorrer
a presença
de pequenas flores amarelas

caminhe em passos lentos
sem pressa alguma

onde o chão estiver
forrado de pitangas maduras

estará lá minha casa





Exercício de criação 24
http://gambiarraliteraria.blogspot.com/2011/08/exercicio-de-criacao-24.html

Clichê de Eisenstein - Gambiarra Literária 23

Clichê de Eisenstein


1. A mão levanta a faca.
2. Os olhos da vítima abrem-se repentinamente.
3. Mãos agarram uma mesa.
4. A faca desce.
5. Olhos piscam involuntariamente.
6. O sangue espirra.
7. Uma boca solta um grito.
8. Algo pinga no sapato.





1

corte


uma lâmina curta
percorre o deserto
entre omoplatas e pulmões
e carrega pedras de lágrimas

não é corte profundo
somente o suficiente
para que sangre
seguro e contínuo
sem se talhe
ou se interrompa

é necessário sangue
carece
que vaze
como um pequeno rio

mão precipitada a aço
não é cirúrgico o talho
mas carrega a gravidade
de galáxias moribundas

não é mão gentil
de costas e sem um espelho
o verdugo invisível



2

pesadelo


despertar
dentro de um sonho
ainda em um pesadelo
ter a alma em susto
arrancada a ponta de faca

punhais de gelo glacial
lástimas
e crisálidas cruas da vela
luzes que crepitam
e criam fantasmas pálidos

acordar para a morte
o torpor do sono da morte
as bailarinas ciganas da morte
o riso cínico da morte

sem uma carta
para o avesso
a mesa posta para o norte
da morte

o balbucio do medo
rouco
triste
e depois

a conformação


3

mesa


a mesa

o cerne duro da madeira
três toques para espantar
má sorte

inúteis

dedos crispados no lenho do cedro
dor líquida e vermelha
percorre em rios subterrâneos

há de permanecer ali
olhos vazados de alma
até que o dia se extinga
entre a língua
e o leque de cores quentes

há os espaços dos pássaros roxos
seu canto
uma mensagem

ruflar de asas de anjo
que abandonam a cena
desconcertados

a dor

lembrar da dor


4

gravidade


nada mais preciso
que a gravidade
e seu canto cósmico
desde o limiar das eras
o movimento
que antecipa todas as rotações da terra


na parede um calendário lunar
signos chineses a dançar em círculo

todos os espelhos da casa quebrados
sete noites de azar
em suor e panos velhos

esta camisa por mortalha



5

olhos


por três vezes
os olhos fitaram o lume
luz que se turvava lenta e triste

olhar
e nunca mais repetir este gesto
três vezes será o suficiente

terá de ser

o suor novo
e ainda assim se renova
corre em bicas
e os líquidos se misturam

as paredes
são testemunhas
do tentar


6

sacrifício


vulcão de jorro contínuo
não ama mais
o espaço contido
e sofre a pressão

espasmo

lava a madeira rústica do chão
lava o encardido das eras
todos os testemunhos históricos
do pó

fluxo bento
doado aos deuses
dádiva tomada a força


tudo retornará em sacrifício



7

boca


quanto tentou gritar
era tarde
a donzela branca já o cercara

urro silente na boca aberta
congelado como brasas

grito de pesadelo
dos lentos e arroxeados
dos que não tem som

o som
de um gargarejo de sangue
gutural
tinge os dentes e os lábios

saliva e carmim

do boi
só não se aproveita o berro

a resposta

silêncio



8

gotejar de relógios


uma mancha
que se avoluma aos poucos
gotejar de relógios

derramar o azeite da vida
em claro desperdício

nada afaga melhor um punhal
que o doce e quente sumo ferruginoso dos ossos


sapatos que tanto se encharcaram
de chuva fina e de monções
do cal das obras
do fino repasto dos vermes

outrora rotos
agora tintos

deitar o regaço sobre a mesa
como
uma oração abatida
a foice

descansa com vagar
e olhos abertos
perdidos na porta
por onde calmo
um vulto se esgueira


de Edson Bueno de Camargo



exercício de criação 23
http://gambiarraliteraria.blogspot.com/2011/07/exercicio-de-criacao-23.html

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Tristeza



Gostaria de sentir raiva, mas o que sinto é uma profunda tristeza, nós que um dia embalamos bandeiras de sonho, fomos jovens de pés no vento, só podemos ver pessoas que estão se solidificando em profundo pragmatismo, em uma violência que renega e desonra nossos mártires.   Há um apequenamento destas pessoas que se aboletam no poder e esquecem suas origens. Dá medo de ficar igual, de se perder também, e se isto acontecer, como poderia encarar minha própria face no espelho.

‎"Los tiranos pasan, los poetas siguen de pie, no se asesina la fé. Las palabras siguen, no se puede el rio parar. " (Tony Osanah / Enrique Bergen)

Puro diamante - Else Lasker- Schüler



Else Lasker- Schüler. poema expressionista da alemã


Puro diamante


Sonhei no teu rosto
Meu céu estrelado.

Dei-te
Todas as minhas alcunhas coloridas.

E pousei a mão
Sob teu passo,

Como se assim
Chegasse ao Além.

Agora sempre chora
Do céu a tua mãe,

Pois me esculpi
Da carne de teu coração,

E, caprichoso, repudiaste
Tanto amor.

Está escuro -
Só chameja
A luz de minh'alma.


Presente enviado por POESIA SIM - http://lausiqueira.blogger.com.br

"A ciência é grosseira, a vida é sutil, e é para corrigir essa distância que a literatura nos importa."
(Roland Barthes)

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Em minha cidade a Arte e a Cultura perderam mais uma batalha para a estupidez e a burocracia.

 
 
Abro o jornal pela manhã e acabo frustrado, infeliz e com raiva. Não, não é o que sinto todos os dias. Em geral sinto nojo ou indiferença. No dia de hoje vi um soldado verdadeiro tombar no campo de batalha. Em minha cidade a Arte e a Cultura perderam mais uma batalha para a estupidez e a burocracia. Que os deuses tenham piedade de nossas almas, porque os corpos fenecem.
http://www.dgabc.com.br/News/5918058/aliado-de-rogerio-santana-apoia-atila.aspx