quarta-feira, 27 de outubro de 2010

A desconstrução da mulher

A desconstrução da mulher

Pablo Capistrano

Escritor, professor de filosofia do IFRN.

Uma semana antes do pleito eleitoral do primeiro turno, meu pai, Franklin Capistrano (médico psiquiatra e vereador pelo PSB em Natal), me ligou preocupado com uma onda de boatos contra Dilma que circulavam nas igrejas da capital potiguar. Um senhor o havia interpelado e perguntado: “Doutor, é verdade que Dilma vai fazer uma lei e implantar útero nos homens?”. Quando narrei o acontecido a minha esposa, ela de imediato respondeu: “até que não seria má ideia”.  

O fato é que existe uma simbologia negativa do feminino nas tradições monoteístas (judaica, cristã e mulçumana). Lilith (primeira mulher de Adão segundo algumas tradições) teria recusado-se a ficar embaixo do marido na “noite de núpcias cosmológica do paraíso”. Eva (um apêndice da caixa torácica de Adão) por sua vez, teve a fragilidade de se deixar seduzir pela energia sexual da serpente (em uma das leituras possíveis do mito bíblico). Em ambos os casos a feminilidade é vista como algo potencialmente perigoso, especialmente quando envolve sexualidade e papeis sociais.

Talvez seja por isso que o cristianismo tenha aceitado apenas a “Maria” mãe de Deus (Theotokos, eternamente virgem, concebida sem o pecado da energia sexual descontrolada) e negado a influência da outra “Maria”, a Madalena, sobre Jesus (Dan Brown pode explicar melhor isso).

Antes da questão do aborto vir à tona circulou um e-mail que trazia o número de um processo judicial inexistente movido contra Dilma por uma suposta ex-amante que pedia pensão alimentícia. A essa armação somou-se a frase que a candidata do PT teria dito em Minas: “Nem Deus me impede de ganhar essa eleição”.

O que essa boataria conseguiu produzir no início do segundo turno foi descolar o imaginário do eleitor menos esclarecido e pouco afeito as manobras sujas que são utilizadas em tempo de eleição, da realidade sócio-política do país e lançá-lo em um universo simbólico arquetípico, onde visões bizarras de seres sexualmente híbridos uniam-se a uma fobia misógina que beirava a histeria.

Para nós, culturalmente cristãos, só as mães são perdoadas. Só o amor imaculado das mães se justifica na construção da figura feminina. Subitamente, Dilma Rousseff, aquela que tem as maiores chances de vir a ser a primeira mulher eleita presidente no Brasil, representava, no imaginário desse eleitor acossado por fantasmas inconscientes que misturam sexo e morte, o lado obscuro do feminino. A face terrível da mulher.

Não é a toa que parte dos votos resultantes dessa desconstrução migrou para Marina Silva (quase uma freira, cuja imagem foi formada para se encaixar no padrão de santidade mariano que melhor apetece o gosto médio brasileiro).

Repentinamente, Dilma era a favor de “que se matem criancinhas” (negação fundamental da condição de mãe), sexualmente suspeita (o desejo desviante da homossexualidade feminina), sem nenhum traço de submissão a autoridade suprema de um Deus Pai todo poderoso. Uma mulher que segura um rifle, uma terrorista assassina e que não se enquadra no modelo de feminilidade suportada pelos setores mais retrógrados da sociedade brasileira.

A reação da TFP, de grupos monarquistas, integralistas e fundamentalistas foi absorvida pela campanha tucana e usada como uma estratégia de desconstruir a imagem da  “mulher Dilma Rousseff”. Esses expedientes já são conhecidos aqui no RN. Tanto a ex-governadora Wilma de Faria quanto a Deputada Federal Fátima Bezerra já sofreram esse tipo de desconstrução. Com frases tipo “Ela não vai dar conta”, “Sem chefe ela não funciona” a campanha tucana aponta sutilmente para a desconfiança de gênero. Uma desconfiança que não tem a ver apenas com o machismo chulo, mas que flerta perigosamente com forças arcaicas, presentes no inconsciente das massas. 

O irônico é que, pelo que indicam alguns especialistas em números eleitorais, provavelmente vai vir de uma eleitora (que votou em Marina no primeiro turno e que ainda anda indecisa) o voto de minerva desse segundo turno. Os serristas que me perdoem, mas é a mulher, para o bem o para mal, a grande personagem dessa eleição.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

o mal no mundo




Max Born, circa 1920. Photo courtesy AIP Emilio Segrè
Visual Archives, Born Collection.


"A convicção de que há só uma verdade, e que a si mesmo está em posse dela, é a raiz de todo o mal no mundo." ( Max Born )

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Blogagem Coletiva - Dia de Amar Seu Corpo 2010 - 20/10/2010






Dia de Amar Seu Corpo





A partir de quando olhar um espelho passou a ser um castigo? Podemos dizer que a partir do momento que a mulher (ou sua imagem) passou a ser uma mercadoria, este martírio começou. Ora, temos um tratado de filosofia partindo do alemão Kant, que nos afirma que o ser humano não pode ser uma mercadoria porque é dotado de dignidade. Ao preço de uma imagem falsa de beleza, vende-se esta dignidade. Troca-se a emancipação pela submissão.

Dignidade, talvez esteja nela a raiz do problema, pessoas sem dignidade se submetem aos caprichos do capitalismo, do poder, e ou do falso desejo. A sociedade de consumo substitui com requintes, a opressão religiosa perpetrada contra a mulher pelas religiões monoteístas; os pilares do pensamento ocidental. O reducionismo e a focalização do sexo, a supressão do orgasmo como fonte de prazer,  a deformação estética do corpo, a criação de factóides via propaganda direta e ou indireta, através de merchandising nas novelas e blockbusters, minam a resistência crítica de qualquer uma. Já dizia Goebbels, uma mentira repetida a exaustão se torna verdade corrente. A revista Vogue, os canais tele-evangélicos, a mídia burguesa, são o Martelo das Bruxas de nosso tempo, e a determinação de biótipos é a indelével tortura, uma que penetra na alma antes mesmo do corpo.  Os carrascos somos nós mesmos, eivados de uma mentira.

A sociedade paternalista impede o crescimento espiritual e físico da humanidade. Será a mulher nossa redentora? Sim, o dia em que a mulher se emancipar completamente, não tenho sombra de dúvida, que a humanidade ascenderá para um patamar de desenvolvimento maior.
 
Hoje é dia da mulher se olhar como realmente é, e como realmente deve ser, uma criatura amada e querida, não parte da mobília, ou um eletrodoméstico que realiza todas as tarefas. Amemos nosso corpo como ele é, a perfeição é um estado de espírito. amemos o espelho porque ele é nossa real imagem.




http://duplamentevenusiana.blogspot.com/2010/10/blogagem-coletiva-dia-de-amar-seu-corpo.html

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Eleições presidenciais 2010: em leilão, os ovários das mulheres!

Fátima Oliveira: Começa a reação das mulheres contra o “aiatolá” Serra

Eleições presidenciais 2010: em leilão, os ovários das mulheres!

Fátima Oliveira*

ESPECIAL PARA O VIOMUNDO

“Isso aqui”, o Brasil, não é um colônia religiosa, não é um Reino e nem um Império, é uma República! Dado o clima do segundo turno das eleições presidenciais brasileiras, parece que as urnas vão parir uma Rainha ou um Rei de Sabá, uma Imperatriz ou um Imperador, que tudo pode, manda em tudo e que suas vontades e ideias, automática e obrigatoriamente, viram lei! Não é bem assim…

Bastam dois neurônios íntegros para nos darmos conta que o macabro leilão de ovários (com os ovários de todas as brasileiras!), em que o aborto virou cortina de fumaça, objetiva encobrir o discurso necessário para o povo brasileiro do que significa, timtim por timtim, eleger Dilma ou Serra.

No tema do aborto a tendência mundial é, no mínimo, o aumento dos permissivos legais, que no Brasil são dois, desde 1940: gravidez resultante de estupro e risco de vida da gestante. Pontuando que legalização do aborto ou o acesso a um permissivo legal existente não significa jamais a obrigatoriedade de abortar, apenas que a cidadã que dele necessitar não precisa fazê-lo de modo clandestino, praticando desobediência civil e nem arriscando a sua saúde e a sua vida, cabe ao Estado laico e democrático colocar à disposição de suas cidadãs também os meios de acessar um procedimento médico seguro, como o abortamento.

Negá-lo, como tem feito o Brasil, que se gaba de possuir um dos sistemas de saúde mais badalados do mundo que garante acesso universal a TODOS os procedimentos médicos que não estão em fase de experimentação, é imoral, pois quebra o princípio do acesso universal do direito à saúde! Eis os termos éticos para o debate sobre o aborto numa campanha eleitoral. Nem mais e nem menos!

Então, o que estamos assistindo nas discussões do atual processo eleitoral é uma disputa para ver quem é a candidatura mais CAPAZ de desrespeitar os princípios do SUS, pasmem, em nome de Deus, num Estado laico! Ora, quem ocupa a presidência da República pode até ser carola de carteirinha, mas para consumo pessoal e não para impor seus valores para o conjunto da sociedade, pois a República não é sua propriedade privada!

Repito, não podemos esquecer que isso aqui, o Brasil, é uma República que se pauta por valores republicanos a quem todos nós devemos respeito, em decorrência, não custa nada dizer às candidaturas que limitem as demonstrações exacerbadas de carolice ao campo do privado, no recesso dos seus lares e de suas igrejas, pois não estão concorrendo ao governo de um Estado teocrático, como parece que acreditam. Como cidadã, sinto-me desrespeitada com tal postura.

As opções religiosas são direitos pétreos e questões do fórum íntimo das pessoas numa democracia. Jamais o norte legislativo de uma Nação laica, democrática e plural. Para professor uma fé e defendê-la é preciso liberdade de religião, só possível sob a égide do Estado laico, onde o eixo das eleições presidenciais é a escolha de quem a maioria do povo considera mais confiável para trilhar rumo a um país menos miserável, de bem-estar social, uma pátria-mátria para o seu povo.

Ou há pastores/as e padres que insistem em ignorar a realidade? “Chefe religioso” ignorante de que a sua religião necessita das liberdades democráticas como do ar que respiramos, não merece o lugar que ocupa, cabendo aos seus fiéis destituí-los do cargo, aí sim em nome de Deus, amém!

O leilão de ovários em curso resulta de vigarices e pastorices deslavadas, de má-fé e falta de escrúpulos que manipulam crenças religiosas de gente de boa-fé para enganá-las, como a uma manada de vaquinhas de presépio, vaquejadas por uma Madre Não Sei das Quantas, cristã caridosa e reacionária disfarçada de santa, exemplar perfeito de que pessoas desse naipe só a miséria gera. Num mundo sem miséria, madres lobas em pele de cordeiro são desnecessárias e dispensáveis. É pra lá que queremos ir e o leilão de ovários quer impedir!

Quem porta uma gota de lucidez tem o dever, moral e político, de não permitir que a escória fundamentalista de qualquer religião, que faz da religião um balcão de negociatas que vende Deus, pratica pedofilia e fica impune e ainda tem a cara de pau de defender a impunidade para pedófilos e os acoberta desde os tempos mais remotos, nos engabele e ande por aí com uma bandeja de ovários transformando a escolha de quem presidirá a República num plebiscito pra definir quem tem mais mão de ferro pra mandar mais no território do corpo feminino!

Cadê a moral dessa gente desregrada para querer ditar normas de comportamento segundo a sua fé religiosa para o conjunto da sociedade, como se o Brasil fosse a sua “comunidade religiosa”? Ora, qualquer denominação religiosa em terras brasileiras está também obrigada ao cumprimento das leis nacionais, ou não? Logo o que certas multinacionais da religião fizeram no processo eleitoral 2010 tem nome, chama-se ingerência estrangeira na soberania nacional. E vamos permitir sem dar um pio?

Diante dessa juquira (brotação da mata pós-desmatamento), onde só medrou urtiga e cansanção, cito Brizola, que estava coberto de razão quando disse: “O Brasil é um país sem sorte”, pois em pleno Século 21 conta com candidaturas presidenciais (não sobra uma, minha gente!) reféns dos setores mais arcaicos e feudais de algumas religiões mercantilistas de Deus.

É hora de dar um trato ecológico na juquira que empana os ideais e princípios republicanos, fora dos ditames da “moderna” agenda verde financeira neoliberal da “nova política”, que no Brasil é infectada de carcomidas figuras, que bem sabemos de onde vieram e pra onde vão, se o sonho é fazer do Brasil um jardim de cidadania, similar ao que Cecília Meireles tão lindamente poetou.

“Quem me compra um jardim com flores?/ borboletas de muitas cores,/ lavadeiras e passarinhos,/ ovos verdes e azuis nos ninhos?/ Quem me compra este caracol?/ Quem me compra um raio de sol?/ Um lagarto entre o muro e a hera,/ uma estátua da Primavera?/ Quem me compra este formigueiro?/ E este sapo, que é jardineiro?/ E a cigarra e a sua canção?/ E o grilinho dentro do chão?/ (Este é meu leilão!)” [Leilão de Jardim, Cecília Meireles].

Em 2010 em nosso país o que está em jogo é também a luta por uma democracia que se guie pela deferência à liberdade reprodutiva e que considere a maternidade voluntária um valor moral, político e ético, logo respeita e apoia as decisões reprodutivas das mulheres, independente da fé que professam. Nada a ver com a escolha de quem vai mandar mais no território dos corpos das mulheres! Então, xô, tirem as mãos dos nossos ovários!

E-mail: fatimaoliveira@ig.com.br

* Fátima Oliveira é médica e escritora. Feminista. Integra o Conselho Diretor da Comissão de Cidadania e Reprodução (CCR) e o Conselho Consultivo da Rede de Saúde das Mulheres Latino-americanas e do Caribe (RSMLAC). Escreve uma coluna semanal no jornal O Tempo (BH, MG), desde 3 de abril de 2002. Uma das 52 brasileiras indicadas ao Nobel da Paz 2005, pelo projeto 1000 Mulheres para o Nobel da Paz 2005.

Autora dos seguintes livros de divulgação e popularização da ciência: Engenharia genética: o sétimo dia da criação (Moderna, 1995 – 14a. impressão, atualizada em 2004); Bioética: uma face da cidadania (Moderna, 1997 – 8a. impressão atualizada, 2004); Oficinas Mulher Negra e Saúde (Mazza Edições, 1998); Transgênicos: o direito de saber e a liberdade de escolher (Mazza Edições, 2000); O estado da arte da Reprodução Humana Assistida em 2002 e Clonagem e manipulação genética humana: mitos, realidade, perspectivas e delírios (CNDM/MJ, 2002); Saúde da população Negra, Brasil 2001 (OMS-OPS, 2002).

Autora dos seguintes romances: A hora do Angelus (Mazza Edições, 2005); Reencontros na travessia: a tradição das carpideiras (Mazza Edições, 2008); e Então, deixa chover (no prelo).

Belo Horizonte, 07 de outubro de 2010

*

em nome de Deus, amém!

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Idade Mérdia




@LitaRee_real - Rita Lee - Lamentável o PT e o PSDB se dobrarem às pressões dos "religiosos" e condenarem o aborto p/ ñ perder votos. O Brasil está na Idade Mérdia(sic)
Fonte Twitter.



Art. 19 - É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
II - recusar fé aos documentos públicos;
III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si
Constituição Federal - CF - 1988