A máxima "menos é mais" nunca fez tanto sentido como no caso do microblog Twitter, cuja premissa é dizer algo - não importa o quê - em 140 caracteres. Desde que o serviço foi
criado, em 2006, o número de usuários da ferramenta é cada vez maior, assim como a diversidade de usos que se faz dela. Do estilo "querido diário" à literatura concisa, passando por aforismos, citações, jornalismo, fofoca, humor etc., tudo ganha o espaço de um tweet ["pio" em inglês] e entender seu sucesso pode indicar um caminho para o
aprimoramento de um recurso vital à escrita: a concisão. Segundo a Sysomos, empresa especializada no monitoramento de mídias sociais,
o Brasil é, desde fevereiro, o segundo país com maior número de tuiteiros, com 8,8% da população mundial de usuários (eram 2% em junho). Fica
bem atrás dos EUA, que detêm 50,88% desse universo, mas à frente do Reino Unido, em terceiro com 7,2%.
O português é a terceira língua mais tuitada. São 4,5 milhões de mensagens no idioma, todo dia (ver tabela na próxima página). O Twitter saltou de 7,8 milhões de visitantes brasileiros em dezembro para 9 milhões em janeiro.
Amadurecimento
A crescente adesão brasileira não chega a ser surpresa. Com uma inclusão digital em pleno vapor, o país atingiu 66,3 milhões de internautas em 2009, 16% a mais do que em 2008, segundo a Ibope Nielsen Online. Na rabeira dessa onda, fenômenos de concisão on-line, como o Twitter, ficam mais evidentes.
No começo, era comum que os usuários da ferramenta se limitassem a registros do cotidiano ou descrições de estados de espírito, como "estou indo pra escola" ou "acordei meio triste". Embora o estilo confessional persista, sobretudo entre os mais jovens, a diversidade de vozes é hoje maior, favorecendo a pluralidade de estilos.
Contar com um público mais maduro pode ter ajudado a diversidade de textos do Twitter. Só 15% dos norte-americanos no Twitter têm menos de 25 anos, segundo o Morgan Stanley Research. No Brasil, 61% dos usuários são homens na faixa de 21 a 30 anos.
A ferramenta intensifica a tendência à concisão verbal, uma das marcas da comunicação on-line. A economia de sinais gráficos deu força, por exemplo, à chamada "tuiteratura", neologismo para os enunciados telegráficos com criações originais, citações ou resumos de obras impressas.
Até a Academia Brasileira de Letras se rendeu ao "novo gênero", criando um concurso de microcontos inspirado no Twitter, cujas inscrições se encerram em 30 de abril (saiba mais em www.twitter.com/abletras).
Se a inventividade autoral explora situações dramáticas em pílulas (ver "Contraponto", página 47), a paródia ligeira já virou um genuíno subgênero tuiterário. Lançado em novembro por Alexander Aciman e Emmett Rensin, da Universidade de Chicago,
a antologia Twitterature: The World's Greatest Books Retold Through Twitter [Twitteratura: os melhores livros do mundo recontados pelo Twitter], da Penguin Books, recolhe ou inventa versões "enxutas" de clássicos como Moby Dick, Medeia e Madame Bovary.
Haicais
A adaptação ligeira de um Sherlock Holmes, por exemplo, usa a ironia para compensar a falta do desenvolvimento que se tem com o Conan Doyle original: "Fiz brilhantes deduções baseado em apenas algumas cachimbadas e umas poucas provas. Reparei no depósito de sal no sapato daquele trabalhador".
No Brasil, iniciativas de transpor a literatura para o formato têm tido repercussão. O editor multimídia Carlos Seabra, da TV Cultura, considera que, embora haja lugar para todo tipo de gênero no Twitter,
haicais, aforismos e microcontos se adequem melhor às limitações espaciais da ferramenta. Seabra vê na
limitação de espaço um incentivo à criatividade, embora desaprove o uso de abreviações. Para ele, usar "vc" em vez de "você" pode ser válido no processo de comunicação, mas condenável na tuiteratura.
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Teoricamente, um texto em nosso idioma tende a ser um pouco maior do que em inglês, o que torna mais difícil a comunicação sintética em português. Na prática, a diferença é quase irrelevante - explica.
Nos casos em que a obra original corre o risco de perda de qualidade estética com o excesso de concisão, tuiteiros como Seabra adotam a praxe de publicar só o título, o nome do autor e o primeiro verso do poema ou frase-chave da obra em prosa, sempre seguidos de um link para outra página com o texto na íntegra.
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Antonio Pedro Tabet, do Kibe Loco: " a maior porta de banheiro do mundo" |
Remeter a informações hospedadas em outros domínios é um recurso habitual dos tuiteiros para superar a limitação de caracteres. A característica de "chamariz", sinalizando conteúdos que não caberiam no espaço exíguo da ferramenta, tem sido a arma de blogueiros, que combinam o Twitter com blogs.
Isca
Para Wagner Martins, o Mr. Manson, criador do Cocadaboa (blog com 6 mil acessos diários), se os outros meios de comunicação não lidarem com a informação de forma ágil, "sem encher linguiça", terão dificuldade de reter a atenção dos internautas.
- O Twitter é a porta para um conteúdo mais profundo. Uma isca ou manchete que chama a atenção - explica Martins, sócio da agência Espalhe Marketing de Guerrilha, para quem
o poder de síntese é característica de pessoas criativas.
Que o diga o
publicitário Antonio Pedro Tabet, dono de um perfil com mais de 247 mil seguidores e criador do Kibe Loco, blog de humor com 300 mil acessos diários. Para ele, uma ferramenta complementou a outra. O Twitter leva pessoas até o blog e o blog referencia o Twitter.
- Um amigo me disse que
o Twitter é a maior porta de banheiro do mundo.
Com a agravante de que o papel acabou e sobrou só a primeira página de jornal - ironiza o publicitário, que diz já ter deixado de escrever coisa melhor no Twitter por faltarem "dois malditos caracteres".
Para Tabet, apesar de o humor na tuitosfera ser ágil, informal e propenso a experimentações, não significa que seja moderno. O Brasil já teria sua tradição de irreverência concisa.
- Sérgio Porto já fazia isso há muito tempo, e o Millôr Fernandes faz isso até hoje - defende Tabet.
Para Martins, do Cocadaboa, os brasileiros são mais preocupados em procurar assunto com outros usuários, daí serem mais propensos à interação nas redes do que os norte-americanos, por exemplo, que costumam ser mais lacônicos, impessoais e informativos.
- É um fenômeno parecido com a transformação do idioma no cotidiano, com a abreviação de palavras, a ênfase nas onomatopeias e a exclusão de acentos. A língua falada é viva e em constante transformação. E as redes sociais reproduzem isso - afirma Martins.
Seja qual for a língua, no entanto, o impacto do Twitter em nossa relação com a escrita está por ser dimensionado. Críticos como George Packer, da revista The New Yorker, condenam o rio de informações que o microblog se tornou, alertando para o fato de que é preciso bom senso para beber dessa água, sob o risco de se afogar num mar de informações. Por isso, nos fazer separar o joio do trigo, ao testar os melhores recursos da síntese, pode ser a contribuição do Twitter à comunicação desta primeira década do século.
Representação linguística |
A participação de cada idioma no portal de mensagens tuitadas
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Inglês | (50%) |
Japonês | (14%) |
Portugues | (9%) |
Malaio | (6%) |
Francês | (menos de 2%) |
Alemão | (menos de 2%) |
Chinês | (menos de 2%) |
Fonte: Consultoria Semiocast |
Estilos do twitter |
Exemplos de perfis que vão do jornalismo ao humor em 140 caracteres
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Jornalismo
Por profissão talhados para a síntese textual, jornalistas levam ao Twitter a lógica da criação das manchetes - o resumo da informação que é também sua peça de "venda".
EVOLUÇÃO NATURAL: Perfis que capturam não só o resumo da história como sua significação.
EXEMPLOS DE PERFIS
@luisnassif [www.twitter.com/luisnassif]: "Nova denúncia da Folha é desmentida pelo Estadão" (http://bit.ly/agMxkZ)
@Bob_Fernandes [www.twitter.com/Bob_Fernandes]: "Ideológico não quer dizer 'de esquerda', explica linguista Sírio Possenti" (http://migre.me/lgvs)
HUMOR
Quanto mais ágil a tirada, mais engraçado seu efeito. A aposta dos humoristas na tuitosfera é responsável por um dos gêneros de maior popularidade das redes sociais.
EVOLUÇÃO NATURAL: A piada curta, o comentário espirituoso e a imagem síntese dão força ao gênero.
EXEMPLOS DE PERFIS
@kibelocO [www.twitter.com/kibelocO]: "As figurantes do Zorra Total são a ponta de estoque das gostosas."
@mrmanson [www.twitter.com/mrmanson]: "Dorflex, o verdadeiro café da manhã dos campeões."
LITERATURA
O esforço de condensar ação dramática numa única imagem-síntese tem permitido exercícios criativos que começam a chamar atenção para escritores da tuitosfera.
EVOLUÇÃO NATURAL: Os perfis estarão tão ocupados em realizar produções originais quanto em propagar trechos de obras consagradas.
EXEMPLOS DE PERFIS
@haicais [www.twitter.com/haicais]: "é meu conforto: / da vida só me tiram / morto" (Millôr Fernandes, citado por Seabra)
@MarcelinoFreire [www.twitter.com/MarcelinoFreire]: "CONTO NANICO N° 21: Tentava encontrar o meu ponto G com o GPS..."
@microcontos [www.twitter.com/microcontos]: "O suicida era tão meticuloso que teve de refazer diversas vezes o nó da corda para se enforcar." (Carlos Seabra)
AFORISMÁTICOS
A tradição das máximas, pensamentos exemplares, anedotários, comentários de ocasião e citações singulares tem no formato do Twitter um natural espaço de proliferação on-line.
EVOLUÇÃO NATURAL: O Twitter se torna o espaço da citação de ditos espirituosos e reflexivos.
EXEMPLOS DE PERFIS
@danielpiza [www.twitter.com/danielpiza]: "O futebol tem razões que a própria paixão conhece."
@frasesdelivros [www.twitter.com/frasesdelivros]: "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas." (O Pequeno Príncipe, Saint-Exupéry)
@melhoresfrases [http://twitter.com/MELHORESFRASES]: "A mulher brasileira faz tudo. Eu faço unha, maquiagem, cabelo." Juliana Paes, atriz (Revista Istoé) |
Glossário do Twitter |
Os recursos que melhoram a comunicação na tuitosfera
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- Seguidores - De followers, são os usuários que "seguem" um perfil. Na lógica de seguir e ser seguido repousa a mecânica do Twitter. Para organizar os seguidores, sem que o internauta entre num caos de atualizações, há o recurso das "listas", em que os perfis classificam-se em palavras-categorias.
- RTs - Abreviação de "retuítes", a citação do que alguém tuitou antes. A pessoa citada é notificada de que foi mencionada (e quem a mencionou). Hoje, os RTs são divididos em retuítes (cita-se o conteúdo) e retuítes com comentários (somam-se fatos e observações ao conteúdo).
- Hashtags - Palavras com o símbolo # designam o tema tuitado. Se o usuário clicar a palavra será levado a uma página com mensagens que contiverem a mesma hashtag.
- Trending topics - Literalmente, "tópicos que são tendência". É o ranking de palavras e hashtags mais tuitadas. Só em 2010, o Brasil ganhou um trending topics próprio. Até então, os resultados em português entravam numa lista geral, com países como os EUA. |
Onda dos microcontos
Por Carlos Seabra
O precursor e talvez o mais famoso microconto já produzido, do guatelmateco Augusto Monterroso, "Cuando despertó, el dinosaurio todavía estaba allí" (Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá),
consolidou uma vertente de microliteratura, o desafio de contar algo em pouquíssimas palavras de contados toques.
Autores conceituam e estipulam limites precisos, nascendo assim algumas classificações:
nanocontos (até 50 letras, sem contar espaços e acentos), microcontos (até 150 toques, contando letras, espaços e pontuação) e minicontos (alguns estipulando 300 palavras; outros, 600 caracteres). Nada disso é muito rigoroso e depende de critérios editoriais de quem os adotou.
O limite de 150 toques cabe no formato de envio de texto pelo celular, o chamado "torpedo". Hoje se usa muito o
limite de 140 toques do Twitter - cada vez mais um difusor da microliteratura, que, provavelmente, acabará impondo este limite como padrão.
Antes de tudo uma brincadeira, os microcontos (nas vertentes de crônicas, contos, aforismos e outras) estarão próximos ao minimalismo pós-moderno? Uma coisa é fato, a micronarrativa contém ingredientes do nosso tempo, a velocidade e a condensação, a possibilidade de publicação em celulares, painéis eletrônicos, rodapé de e-mails (ou algo mais démodé: tampas de caixas de fósforos). Há neles algo dos haicais, a poesia japonesa, com três linhas e um total de 21 sílabas - de certa forma, com o poder de concisão destes, mas a liberdade da prosa.
Elo forte
Escritores já brincaram nessa seara, como Jorge Luis Borges, Julio Cortázar, Millôr Fernandes, Dalton Trevisan, ainda que sem pensar no conceito de "microcontos". Literatura de alta velocidade?
Drummond já antecipava que "escrever é cortar palavras",
Hemingway sugeriu "corte todo o resto e fique no essencial" e
João Cabral proclamou "enxugar até a morte". Sônia Bertocchi diz, no blog "Lousa digital":
"Seguindo à risca a lição dos mestres, chegamos aos microcontos: 'miniaturas literárias' que cabem em panfletos, filipetas, camisetas, adesivos, postes, muros, tatuagens, cartão postal, hologramas, desenhos animados, arquitetura, instalação, música... e que podem ser lidas no ônibus, no metrô e... nas telas do computador (cá entre nós, um prato cheio para propostas atrativas de ensino de literatura e integração de novas tecnologias)".
De certa forma, o microconto tem outra dimensão: ele é como uma ligação muito forte através de um furinho de agulha no universo, algo que permite projetar uma imagem de uma realidade situada em outra dimensão. Como se por meio desse furo, dois cones se tocassem nas pontas, um menor, que é o que está escrito no microconto, e outro maior, que é a imaginação a partir da leitura - pois, mais do que contar uma história, um microconto sugere diversas, abrindo possibilidades para cada um completar as imagens, o roteiro, as alternativas de desdobramento.
Seja seu destino a publicação em celulares, camisetas, postais, folhetos na praia, cartazes nos postes, azulejos, hologramas, blogs, e-mails, no Twitter, o mero esquecimento ou o lixo,
o microconto é um exercício de criatividade, síntese e algo muito divertido de escrever!
Carlos Seabra é editor multimídia, coordenador editorial no núcleo Publicações Educação da TV Cultura.