quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Dos suicídios.



Suicídio, de Édouard Manet, 1877



Dos suicídios.


Bebo ao lar em pedaços,
À minha vida feroz,
À solidão dos abraços
E a ti, num brinde, ergo a voz...
Ao lábio que me traiu,
Aos mortos que nada vêem,
Ao mundo, estúpido e vil,
A Deus, por não salvar ninguém.
Anna Akhmátova


Temos o direito de escolher a hora de nossa própria morte? A vida é um dom incompreensível,  mas a nossa, somente a nós pertence. Como não acredito em este Deus cruel do cristianismo, só dou satisfações a mim mesmo.  A ninguém é dado a capacidade de suportar a dor suprema, a dor que nos revela por dentro e por fora. O suicídio é um ritual de vida, no qual se inclui a extração de nossa alma a força, a separação do corpo do espírito, para que não mais nenhum dos três pereça.  Todo suicida tem por um sonho a redenção, trocaria a morte por um nascer de novo. O corpo tão valorizado em nossos dias é ferramenta, que quando não carece mais de uso pode ser plenamente descartável.  

Nos suicidamos simbolicamente todos os dias:  quando recusamos o amor por um futuro brilhante; quando negamos a maternidade/paternidade por um futuro melhor; quando dizemos amém para um sistema que não concordamos; quando abaixamos a cabeça para as injustiças, não as para contra o outro, mas, para aqueles perpetradas contra nosso próprio ser; quando nos aviltamos por sentimentos mesquinhos de poder, cobiça e inveja; quando o ouro passa a ter mais valor que o pão. Morremos quando esquecemos nossa fome, e enterramos o desejo como um cão morto no fundo do quintal. 

Morrer é simples, viver é complicado. A minha solidariedade aos que findam a si mesmos é infinita. Conheço a dor por dentro e por fora, esta de viver sem esperança o tempo todo, de ter a certeza de ter nascido no tempo e lugar errado, de ser estrangeiro em minha casa e  órfão na presença dos meus pais. A dama de negro ri de mim o tempo todo, ela não quer me levar , quer que caminhe meus passos até ao seu encontro.





Poéticas da Oralidade – Casa da Palavra – 03/04/2006
E.L.L  - Ano 3


(reciclagem de texto da Escola Livre de Literatura - ano 2006)

Um comentário:

  1. Este último parágrafo expressa meus sentimentos de um modo que eu jamais faria.

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