quarta-feira, 27 de junho de 2012

Três perguntas a Marcelo Novaes - respostas revisadas e complementadas.



Entrevista:
 
 
 
Edson Bueno de Camargo: 1.Você acredita ainda ser possível a poesia em tempo de crise? Ou Adorno estava certo e não foi mais possível o poema depois de Auschwitz?

MN: Escrever poemas de Poliana, não. O pior do humano já veio à luz. Mas o poema pode atrair a atenção para o pior do humano para que nos cansemos dele, deste pior. Alguma mudança pode vir pelo cansaço ou pelo nojo. 

EBC: 2.Outro dia 
li que o mundo atual não permite às pessoas o exercício do humano, até que ponto você acredita ser isto verdadeiro, e até que ponto a arte e a poesia nos permitem este exercício do humano? 

MN: O humano inclui tudo, inclusive o pior do humano a que aludi acima. Os tempos de hoje me parecem como a abertura de um grande bueiro: a cara que estupra a garota na festa filma e põe no You Tube. Ficamos sabendo não só do crime, mas do exibicionismo do rapaz sádico. O pai da vítima e o pai do algoz não poderão desconhecer o fato. O pai do algoz não poderá alegar inocência de seu filho, a não ser fraudando os próprios olhos e consciência. O mesmo se aplica a agressão de gangues [futebolísticas ou pseudo-ideológicas], brigas escolares, pedofilia, o diabo a quatro. O artesanato do melhor do humano é trabalho voluntário, solitário, que se impõe e imprime [ou não] a cada indivíduo. Alguns artistas podem contribuir com sua fração infinitesimal para a evocação dessa vontade de construção do “exercício do bom e do melhor do humano” com seu trabalho de formiguinha. Muitos outros só espelharão os modos e valores de nosso tempo.

EBC: 3.Um conhecido escritor paranaense afirmou que para um autor sair da invisibilidade, basta só ser bom; que isto acontecia: acredita nisso? Ou existe muita gente boa por baixo do manto da invisibilidade?


MN: Este escritor parece "estar nos tirando".  [Cê tá me tirando , tiozinho!]. Parece crer em alguma equação bastante simplória entre mérito e reconhecimento, ou entre mérito e recompensa. Onde você encontra isso, na vida de todo dia: no serviço público? Na política? A meritocracia vige nesses âmbitos da vida? As instituições sociais premiam os mais talentosos? Bom, este fulano deve viver em outro mundo, onde Van Gogh pintaria quadros que seriam imediatamente aplaudidos, e não por ele mesmo, Van Gogh, crer no valor intrínseco de sua arte, mas também com o respaldo de outros que igualmente creriam na mesma.. Num mundo onde escritores como Augusto dos Anjos, Camilo Pessanha, Cesário Verde e mesmo Fernando Pessoa, teriam suas visibilidades, sim, mas não só post mortem. Livros reconhecidos em vida. Acredito, Édson, que, em nossa literatura do anonimato e cartas marcadas, do tapinha nas costas sem exposição corajosa do admirador que "prefere permanecer na coxia" [ou na cocheira] nunca ouviremos falar de muitos bons escritores, e que isso seja mais comum do que suspeita o simpático paranaense citado por você. Então, se você pensar numa visibilidade fora da linha do tempo da biografia do autor, além-de-seu-tempo-de-vida, pode ser que “algum dia o talento não passe em branco”. Mendelssohn redescobriu Bach, que era ignorado no tempo de Mendelssohn. Falei de música e pintura deliberadamente, porque isso pode se dar em qualquer arte. Os viéses de mercado, propaganda, divulgação da “persona literária” [o performer colocado à frente do escritor], apadrinhamentos, parentescos e que tais, tudo isso são viéses demasiado humanos que o paranaense pretende ignorar, fazendo tabula rasa da história, antropologia, psicologia de massas. O mérito e o reconhecimento podem ser unívoca e temporalmente co-associados em algum plano acima do nosso, mas não neste planeta. Talvez o paranaense esteja nos visitando de alhures. Um Uraniano em missão.


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