Entrevista:
Edson Bueno de Camargo: Você acredita ainda ser possível a poesia em tempo de crise? Ou Adorno estava certo e não foi mais possível o poema depois de Auschwitz?
MN: Escrever poemas de Poliana, não. O pior do humano já veio à luz. Mas o poema pode atrair a atenção para o pior do humano para que nos cansemos dele, deste pior. Alguma mudança pode vir pelo cansaço ou pelo nojo.
EBC Outro dia li que o mundo atual não permite às pessoas o exercício do humano, até que ponto você acredita ser isto verdadeiro, e até que ponto a arte e a poesia nos permitem este exercício do humano?
MN: O humano inclui tudo, inclusive o pior do humano a que aludi acima. Os tempos de hoje me parecem como a abertura de um grande bueiro: a cara que estupra a garota na festa filma e põe no You Tube. Ficamos sabendo não só do crime, mas do exibicionismo do sádico. O pai da vítima e o pai do algoz não poderão desconhecer o fato. O pai do algoz não poderá alegar inocência de seu filho, a não ser fraudando os próprios olhos e consciências. O artesanato do melhor do humano é trabalho voluntário, solitário, que se impõe e imprime [ou não] a cada indivíduo. Alguns artistas podem contribuir com sua fração infinitesimal para a evocação dessa vontade de construção do “exercício do bom e do melhor do humano” com seu trabalho de formiguinha. Muitos outros só espelharão os modos e valores de nosso tempo.
EBC: Um conhecido escritor paranaense afirmou que para um autor sair da invisibilidade, basta só ser bom; que isto acontecia: acredita nisso? Ou existe muita gente boa por baixo do manto da invisibilidade?
MN: Este escritor parece crer em alguma equação bastante simplória entre mérito e reconhecimento, ou entre mérito e recompensa. Onde você encontra isso, na vida de todo dia: no serviço público? Na política? A meritocracia vige nesses âmbitos da vida? As instituições sociais premiam os mais talentosos? Bom, este fulano deve viver em outro mundo, onde Van Gogh pintaria quadros que seriam imediatamente aplaudidos, e não por ele mesmo, Van Gogh, crer no valor intrínseco de sua arte. Num mundo onde escritores como Augusto dos Anjos, Camilo Pessanha, Cesário Verde e mesmo Fernando Pessoa, teriam suas visibilidades, sim, mas port mortem. Acredito que nunca ouvimos falar de grandes escritores, e que isso seja mais comum do que suspeita o simpático paranaense citado por você. Então, se você pensar numa visibilidade fora da linha do tempo da biografia do autor, pode ser. Mendelssohn redescobriu Bach, que era ignorado no tempo de Mendelssohn. Falei de música e pintura deliberadamente, porque isso pode se dar em qualquer arte. Os vieses de mercado, propaganda, divulgação da “persona literária” [o performer colocado à frente do escritor], apadrinhamentos, parentescos e que tais, tudo isso são viéses demasiado humanos que o paranaense pretende ignorar, fazendo tabula rasa da história, antropologia, psicologia de massas. O mérito e o reconhecimento podem ser unívoca e temporalmente co-associados em algum plano acima do nosso, mas não neste planeta. Talvez o paranaense esteja nos visitando de alhures.
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