quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Texto de 2005 da ELL revisitado.

Fazendo umas releituras de textos nem tão antigos, me deparei com uma série de textos que escrevi durante oficinas da ELL - Escola Livre de literatura de Santo André - SP - na Casa da Palavra; alguns são absolutamente inéditos, de vez em quando vou publicar algum que acho que tem a ver com o "espírito" do blog. 

Abraxas.






Barro primordial, relâmpagos da Terra primeva e choro de criança.


Dia 24 de maio de 2005, ao meio dia, após a passagem de mais cinco minutos, ouve-se pelos corredores da Casa de Parto de Sapopemba, um choro característico,

Um menino, que carrega a minha ancestralidade.

Aquele que desde o primeiro barro primordial, dos relâmpagos da Terra primeva, quando na sopa de aminoácidos que gerou a vida, quando uma pseudo-criatura criou uma membrana dupla, e uma imitação de cromossomo, um fragmento de RNA: a partir deste momento nenhum ser que foi sendo criado pela evolução, não deixou de ter um descendente, que permaneceu vivo e teve descendentes. Foi assim com o pai de meu pai. Foi assim com meu pai e minha mãe. Foi assim até a minha vez de nascer. Foi assim quando minha filha nasceu. Foi assim quando o meu neto nasceu. Temos perpetuado a espécie, e em especial nossa família em qualquer espécime que ela tenha transmudado, protozoário, verme, molusco, peixe, anfíbio, réptil, mamífero.

Tudo que tem vida é meu parente. Tudo o que é humano é meu primo. Mas, nada é tão próximo do que aquilo que cheira a nossa própria carne. Lembro-me de sua mãe ainda na barriga da sua mãe. De todo que conversávamos, eu falava, ela escutava. Hoje meu neto me deixa pasmo, é como se o analgésico para a dor na alma, fosse observar crianças recém nascidas. Que privilégio maravilhoso observar uma criança ainda um tanto borrada com o sangue placentário. É se sentir deus, e ao mesmo tempo ser absolutamente frágil e incapaz.

Então eu chorei como uma criança pequena. Depois como não o fazia a muitos anos. Rezei para que nossa mãe onipotente nos agasalhasse novamente em seu ventre e nos ninasse nos sonhos. Rezei para que meus ancestrais protegessem a minha cria e que a grande aranha que tece o destino, tramasse um fio longo e forte para meu neto.




Ausente do Círculo de leitura da E.L.L. – Casa da Palavra –24/05/2005.





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