Já era tarde da noite, os vizinhos dormiam, o Sr. Bordalos escrevia como sempre, pois considerava aquele horário ideal. Acreditava que a noite, transcorria sem interferências sonoras da rua, visitas de alunos, e muito raramente o telefone tocava, pois estavam todos dormindo, ou quando em vez, algum amigo bêbado ligava, pois sabiam que Bordalos sempre estaria acordado àquela hora.
Um copo de vinho, Mozart no mp3, e o barulho das teclas.
Bordalos tinha uma predileção por vinhos de mesa bem doces e frutados, longe de qualquer sofisticação, mas Mozart era imprescindível, sempre era possível pressentir um toque de luxúria entre as notas. Quanto mais vinho, mais luxúria.
Às três horas e 13 minutos no relógio do computador, um som estranho e estridente na porta da cozinha, a ponto de ser ouvido mesmo sob o Mozart. O que seria? Pergunta-se o escritor de novelas para senhoras.
(Nós sabemos como narrador e leitor oniscientes, que o gato da vizinha devora um ratinho no tapete onde está escrito amor em japonês, presente da mãe do Sr. Bordalos, mas ele não sabe.)
Bordalos sai de seu gabinete, atravessa sua sala até a pequena cozinha, quase uma copa na verdade, mas o suficiente para um homem solteiro e quase sempre sozinho. O som vem da porta, a luz do corredor é acesa, o som para.
Ao abrir a porta o professor Bordalos dá de cara com o gato devorando sua presa, feliz da vida, e sujando o tapete de sangue. O mestre encara o bichano, que continua seu banquete indiferente ao inquiridor. O que fazer? O velhote dá uma boa olhada, fecha a porta e volta a seus afazeres literários, largando o gato e o rato às suas sortes.
Interferência –
Versão número um:
Visão da vizinha do Sr. Bordalos (que não estava dormindo como ele imaginava).
_ Este velho está cada vez mais maluco, já não bastam estas visitas de pessoas estranhas e vestidas de modo estranho, agora deu de ficar acendendo as luzes de fora de madrugada agora. Este pessoal deve ser satanista, só se vestem com roupas pretas e a casa está cheia de plantas e com árvores no quintal.
Versão número dois.
Visão do gato, que é da vizinha, mas que considera o Sr. Bordalos seu dono, pois este lhe dá de comer sardinhas. ( A vizinha é vegetariana, e não acredita em dar carne para animais.)
_ Este velho é muito bacana, mas não sabe que é mal educado interromper a boquinha noturna de um gato.
Exercício de criação 35
http://gambiarraliteraria.blogspot.com/2011/11/exercicio-de-criacao-35.html
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