segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Dança.











Um dia ouvi da boca de Mia Couto que ele escrevia porque não sabia dançar.

De minha parte, creio que a poesia tem me refluído, a partir de minha total incapacidade de tudo.

29/08/2011

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Alguma praga da modernidade?



A Bíblia é um livro tão bem escrito, de uma grande poética, e tem os vedas e tantos textos sagrados com poemas de moer os olhos em lágrimas, sacar o coração de seu delgado espaço, mas qual; por que será que seus reescrevedores são tão ruins? Alguma praga da modernidade?

Já repararam como textos com fundo moral ou religiosos, das formatações ridículas em PPS, estragando o nome de bons poetas revelando o pior que escreveram, são muito mal elaborados, de uma quase infantilidade. Os textos dos consertadores do mundo são muito mal escritos, lugar comum e piegas.

(Leiam mais meus amigos, criem repertório, sou um campo vazio de religião e com sede de poesia. Convençam-me, mas com algo que não me doa aos ouvidos. )

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

No princípio era a ausência do verbo...




Sonhei que minha casa se plantava sobre a casa de meu pai. Enquanto a minha permanecia nova e em construção, a casa de meu pai se reduzia a escombros, ruía a olhos vistos.


Qual caminho se insinua quando permanecemos no espaço do onírico? Os povos do passado davam grande importância aos acontecimentos do sonho, quase tanto quanto da realidade. No campo do sonho os deuses entravam em contato com os homens. No campo dos sonhos se previa a caça farta ou os períodos de grande fome.

Certos povos, como os aborígines da Austrália, crêem que o tempo do sonho   foi o tempo da criação do mundo. E este tempo foi e continua sendo. Segundo as suas crenças, estamos próximos ao fim do mundo e no momento de sua criação.

Assim como os nativos australianos, acredito que nosso grupo está no tempo do sonho, estamos criando uma estrada nos passos de damos nela. Buscamos a razão de nossas origens e existências. Devemos criar nosso próprio mito de criação:

“ No princípio era a ausência do verbo, e mulheres e homens buscavam tateando no escuro o sentido de suas existências.

E vieram os avatares,   que traziam o conhecimento no Olímpo dos Livros, fazendo com que o verbo tivesse sentido.

Então a luz e o breu tiveram separação.”






(Reciclagem de um texto de 2005)

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

5 minutos - Significados





estrambótico: par de botas relativos à Legião Estrangeira.



http://gambiarraliteraria.blogspot.com/2011/11/5-minutos-significados.html

5 minutos de gambiarra

5 Minutos - O que vai beber?



rum

bloco de âmbar
em copo de vidro
sob o sol tropical


http://gambiarraliteraria.blogspot.com/2011/11/5-minutos-o-que-vai-beber.html


5 minutos de gambiarra

5 minutos - Com quem?





Imaginar a Lisboa da virada do século XIX, as primeiras décadas do século XX, suas ruas seu casario.

Observaria o caminhar de Pessoa pelas ruas, sem abordá-lo.

Depois.

Talvez tomássemos um vinho, não sei. falarmos de astrologia, porque de poesia seria sacal.





 http://gambiarraliteraria.blogspot.com/2011/10/5-minutos-com-quem.html

5 minutos de gambiarra

Exercício de criação 36 - walquírias e hierofantes


Este exercício foi pensado para 26 palavras com as letras do alfabeto, fiz uma pequena confusão e fiz um poema com 26 versos, todos começados pelas letras do alfabeto, posteriormente fiz o exercício da forma proposta, como gostei dos dois resultados, estão os dois publicados. 
 
 
 


walquirias xilografadas


abrir bem
cada dádiva elevada
à fome gigante
que habita o interior
dos jarros kamikazes

límpidos
mundanos
narcísicos

oprimem as palavras
que rasgam suturas

tempo ulterior ao vento
ypsilon e zênite.



Exercício de criação 36
http://gambiarraliteraria.blogspot.com/2011/11/exercicio-de-criacao-36.html










hierofantes


aram os campos da morte
barretes vermelhos sorriem
cruzam os dentes afiados
das adagas líquidas do tempo

entranhas da pedra
fractais de luz cristalina
gelo de sílica
hieróglifos do tempo

iniciados esperam os sinais
jactam-se os hierofantes
k é a letra oculta
latente vaticínio

mudam-se as cidades de lugar
naves belicosas fendem o horizonte
oprimem os olhos cansados
perto de rude vitória

quem poderá falar agora
ritos antigos já começaram
sinos por estranhos ritos
tinem em pesado dobrar

uma onda de corvos
viram o céu em noite

warun? pergunta o profeta distante
xistos de estrelas caem em decadência
yin e yang não encontram mais paz
zagaias riscam em aço o firmamento






Exercício de criação 36
http://gambiarraliteraria.blogspot.com/2011/11/exercicio-de-criacao-36.html






Gambiarra Literária

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Interrupção - Exercício de criação 35




Já era tarde da noite, os vizinhos dormiam, o Sr. Bordalos escrevia como sempre, pois considerava aquele horário ideal. Acreditava que a noite, transcorria sem interferências sonoras da rua, visitas de alunos, e muito raramente o telefone tocava, pois estavam todos dormindo, ou quando em vez, algum amigo bêbado ligava, pois sabiam que Bordalos sempre estaria acordado àquela hora.

Um copo de vinho, Mozart no mp3, e o barulho das teclas.

Bordalos tinha uma predileção por vinhos de mesa bem doces e frutados, longe de qualquer sofisticação, mas Mozart era imprescindível, sempre era possível pressentir um toque de luxúria entre as notas. Quanto mais vinho, mais luxúria.

Às três horas e 13 minutos no relógio do computador, um som estranho e estridente na porta da cozinha, a ponto de ser ouvido mesmo sob o Mozart. O que seria? Pergunta-se o escritor de novelas para senhoras.

(Nós sabemos como narrador e leitor oniscientes, que o gato da vizinha devora um ratinho no tapete onde está escrito amor em japonês, presente da mãe do Sr. Bordalos, mas ele não sabe.)

Bordalos sai de seu gabinete, atravessa sua sala até a pequena cozinha, quase uma copa na verdade, mas o suficiente para um homem solteiro e quase sempre sozinho. O som vem da porta, a luz do corredor é acesa, o som para.

Ao abrir a porta o professor Bordalos dá de cara com o gato devorando sua presa, feliz da vida, e sujando o tapete de sangue. O mestre encara o bichano, que continua seu banquete indiferente ao inquiridor. O que fazer? O velhote dá uma boa olhada, fecha a porta e volta a seus afazeres literários, largando o gato e o rato às suas sortes.

Interferência –

Versão número um:

Visão da vizinha do Sr. Bordalos (que não estava dormindo como ele imaginava).

_ Este velho está cada vez mais maluco, já não bastam estas visitas de pessoas estranhas e vestidas de modo estranho, agora deu de ficar acendendo as luzes de fora de madrugada agora. Este pessoal deve ser satanista, só se vestem com roupas pretas e a casa está cheia de plantas e com árvores no quintal.

Versão número dois.

Visão do gato, que é da vizinha, mas que considera o Sr. Bordalos seu dono, pois este lhe dá de comer sardinhas. ( A vizinha é vegetariana, e não acredita em dar carne para animais.)

_ Este velho é muito bacana, mas não sabe que é mal educado interromper a boquinha noturna de um gato.




Exercício de criação 35
http://gambiarraliteraria.blogspot.com/2011/11/exercicio-de-criacao-35.html


Gambiarra Literária

Exercício de criação 34 ( Gambiarra Literária )



no absurdo
do final de outro dia
o pássaro faz ninho


Poema de Nydia Bonetti,



que traduzido para o português por Edson Bueno de Camargo fica assim:




em bizarria
ao terminar mais uma claridade do sol
a ave intensa constrói sua vivenda



Exercício de criação 34
http://gambiarraliteraria.blogspot.com/2011/11/exercicio-de-criacao-34.html




Gambiarra Literária

A chuva, Maira ( Exercício de criação 33 )

http://imageplay.net/pt/view/m7Gbd151602/imagem




Jean acendeu um cigarro, tragou profundamente e fitou pela janela, desenhando garatujas no embaçado do vidro enquanto soltava a fumaça.

_ Esta chuva não para, às vezes tenho a impressão que nunca vai terminar _

_ Terminar o quê? Pergunta Maira saindo das páginas do livro em um certo torpor.

_ A chuva, Maira, a chuva _ fala Jean quase em falsete e se fechando em uma casca de noz.

Em silêncio Maira volta para a segurança do livro.





Exercício de criação 33

Gambiarra Literária

terça-feira, 22 de novembro de 2011

ao rés do chão.



a moça de pés tímidos
uma rasteirinha
as pontas dos pés cruzados
e unhas vermelhas
se fechando em um forte

os rapaz de tênis azul
bem puído (sujo de tinta)
aponta o dedão direto para a moça

que continua fechada
para o ambiente hostil
(mas o rapaz insiste
em manter a posição dos pés)

o senhor sério
deposita a ponta do guarda chuva
que forma uma poça
em meio aos sapatos clássicos
bem molhados
(estará chovendo lá fora)

o menino inquieto
já se sentou no chão
um pé com o chinelo fugido
esquecido ao lado
outro sob seus fundilhos
(não sei se sem ou com o respectivo chinelo)

o escarpim rosa da mãe
bate preocupado
este chão cheio de germes
este moleque não me obedece
este médico não chama nunca
vou perder o cabeleireiro

observando tudo
minhas velhas sandálias
minhas unhas manchadas de iodo
e a falta de pressa de sempre

(afinal o que estou fazendo aqui mesmo?)


Exercício de criação 32 - http://gambiarraliteraria.blogspot.com/2011/10/exercicio-de-criacao-32.html

Gambiarra Literária

o espelho ( Exercício de criação 31 )

Narciso (1594-1596), por Caravaggio.




não tenho vergonha do que sou
mas o espelho é um inquisidor

a nudez não me é estranha
mas o espelho sim

e toda a vez que me encaro
olho no olho
ele me devolve:
- monstro -

meus anos se revelam
em meu corpo
e o espelho os acusa

a barriga redonda
os pelos brancos
a barba branca
os pelos do peito brancos

toda a maciez do branco
todo o aveludado do branco
todo o estrago do tempo

o sexo apontado
para a gravidade do terreno
estou mais para o centro da terra
que para o cio das mulheres

o tempo é uma queda descomunal
os seios das mulheres
os cabelos dos homens

o amolecimento incurável da língua
da falta de medo
da falta de pudor
e a desmesura inevitável
das palavras




Exercício de criação 31
http://gambiarraliteraria.blogspot.com/2011/09/exercicio-de-criacao-31.html

Gambiarra Literária

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Cara Gambiarra Literária e gambiarreiros.

Pratique Gambiarra Literária. O exercício faz o artífice.


Tenho repetido esta frase, que aliás, criei como mote para a divulgação do blog, e no intuito de provocar todos que se aventuram na escrita.

O blog foi criado pela Sarah Helena dentro de uma angústia que nos acometia e acomete, de que escrever é um exercício permanente e embora escrever seja uma atividade solitária, é necessário uma solidariedade estética entre os pares.

Adotei o blog imediatamente. Estes três meses têm sido de interessantes exercícios de escrita, de pensar os exercícios, garimpá-los, e principalmente realizá-los.

Acredito muito no que diz o poeta Mário Quintana, que nenhum de nós está pronto como poeta, somos eternos aprendizes. A estagnação é uma coisa perigosa, a falta de desafios desalentadora. Aquele que se considerar pronto está perigosamente a beira do congelamento estético da forma. Escrever por uma fórmula, um receituário, pode dar resultados agradáveis e palatáveis, mas pode matar a poesia.

Conclamo a todos que pratiquem os exercícios, que se desafiem, que criem o tempo necessário e não usem sua falta para não escrever.

Abraço a todos.






Exercício de criação 30
http://gambiarraliteraria.blogspot.com/2011/09/exercicio-de-criacao-30.html

Manual secreto para o nada.




1 -Nascer sob os auspícios da grandiosidade.

2 - Crescer à revelia das coisas úteis e práticas.

3 - Observar cada coisa como se fosse a primeira vez.

4 - Esquecer.

5 - Repetir o terceiro item indefinidamente.

6 – Ler tudo o que lhe cair às mãos. De física quântica a boletins sobre o vôo matinal das borboletas.

7 - Acumular coisas, de fósforos queimados a botões quebrados. De flores secas a papeis de bala. De moedas velhas a moendas velhas.

8 - Acreditar na divindade da origem de tudo e não ser fiel a nenhum deus. Conversar regularmente com fantasmas.

9 – Treinar nas inutilidades da vida. Observar a lua. Ouvir o intercurso do rio com o solo e as vozes tragadas pelo tempo. Perder-se em um sorriso. Chorar todas as lágrimas. Comer com lascívia.

10 - Fazer poesia.

11 – Amar o belo. Buscar o belo. Ser o belo.

12 – Escrever poesia.

13- Fracassar na vida mesmo estando destinado à grandiosidade.





Exercício de criação 29
http://gambiarraliteraria.blogspot.com/2011/09/exercicio-de-criacao-29.html

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Dia de Amar seu Corpo - 2011

 
 
UM FRUTO


A juventude
houve
como um fruto.

Hoje habito uma casa
polpa madura de mulher
meu corpo.

Amanhã haverá uma flor.
Não sei onde.

Renata Pallottini (De Ao Inventor das Aves, 1985)
 
 



Dia de amar seu corpo

Dia de Amar seu Corpo - 2011 -






Muito e pouco me vem a cabeça para falar sobre este dia; das muitas coisas que poderia e deveria falar. Ando meio de porre com este assunto.

Sou da geração que aprendeu na televisão a odiar o próprio corpo, que teve um breve vislumbre de esperança e abertura, mas que mergulhou na mesmice e na caretice.

Vejo os jovens cultuarem seus corpos dentro de uma artificialidade, onde toda a transformação corporal é uma violência enrustida, é vilipendiação do corpo. Lipoaspiração, plásticas, implantes, exercícios extenuantes, procedimentos médicos muito próximos à tortura e da irresponsabilidade médica. A saúde que deve ser almejada, foi substituída por um ideal de beleza física fora da realidade. A fotografias das revistas e na Internet são maquiadas eletronicamente, são irreais. Almejam o que não existe.

O que mais me assusta nisto tudo é a postura dos ditos profissionais, médicos que corroboram com as mentiras espalhadas pela mídia. Atribuem á obesidade malefícios que não existem de fato, que resvalam na paranóia coletiva. É claro que devemos buscar por uma existência saudável, mas a saúde mental é a mais importante de todas. Tudo deve estar dentro do razoável, da ciência verdadeira, não a patrocinada pelas grandes farmacêuticas, e do bem estar consigo mesmo.

Sou obeso, e tenho muita dificuldade de me olhar no espelho e não dizer: monstro. Anos e anos de massacre fizeram seu estrago. Mas tenho aprendido aos poucos a conviver comigo mesmo em paz.

Mas o que pega é que sou humano, não importa minha forma, minha cor, meu credo, meu gênero. O que importa é que sou humano em tudo o que isto significa.

O que importa que eu seja um “ente humano”, capaz de amar e viver a poesia.


#LYBD

Dia de amar seu corpo


sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Exercício de criação 28





Seu Antonio.


Sentava-me paciente na sala para ouvir meu avô contar suas histórias. Tomávamos café e em minha mente construía mundos fantásticos. Fiz isto quase todos os dias por muitos anos.

Com o tempo minhas visitas foram escasseando. As histórias foram ganhando intervalos, até que começaram os silêncios.

Cismei que ia morrer, meu avô. Levei meu neto para que visse seu tataraneto. Demorou para entender o que aquilo significava. Mas contou nos dedos as cinco gerações que foram fixadas em uma foto. Cinco gerações juntas.

Via nos olhos de meu avô, uma alma que se afundava cada vez mais no ocaso. Balbuciava palavras no vêneto de sua infância.

Sentava-me na sala, para ouvir os silêncios de meu avô, até que não consegui mais ir. Quando se foi, eu não estava lá.

Um dia sentei na sala vazia. Permaneci ali por algum tempo em silêncio. Nunca mais visitei aquele lugar.

Não havia mais histórias para serem contadas.




Exercício de criação 28



Exercício de criação 27



vidros longos e lilases


Edson Bueno de Camargo

emerge da pedra
mãos em tesoura


a aranha mais antiga do mundo
de idade sem conta
cose o destino


bagunça dos elos entre as paredes
o mundo é um vaso trincado
cheio de nada


( marcianos observam tudo de longe
com seus vidros longos e lilases)


Exercício de criação 27
http://gambiarraliteraria.blogspot.com/2011/08/exercicio-de-criacao-27.html



Exercício de criação 26 - passagem por Elk Canyon em Black Hills

"Giant Bluff." Elk Canyon on Black Hills and Ft. P. R.R.. It was created in 1890 by Grabill, John C. H., photographer.

http://www.old-picture.com/old-west/Locomotive-Steam.htm




passagem por Elk Canyon em Black Hills

Edson Bueno de Camargo


fotografias
prendem acontecimentos
no papel
memória transportável
fixada em tons de cinza

trem parado em Elk Canyon
descansam os trilhos
a locomotiva
vapor parado no tempo
uma senhora de luto
trabalhadores da ferrovia
a vida
tudo em suspensão para sempre

contadas muitas estações
passaram os vivos
enterraram o trilhos
cortaram os pinheiros
nasceram outros
nova floresta
velhas pedras

o grande muro de pedra
impassível
testemunho parado de montanha

quantas passagens por Elk Canyon
quantos olhos olharam o paredão
quanto sangue sioux correu aqui
aqui o Grande Espírito
também chorou os mortos
e cobriu de branco a terra
em luto

(e ao esquecimento
nos condenou)

estou diante da prata precipitada
diante de meu olho
a luz de dois séculos

Exercício de criação 26



quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Exercício de criação 25 - Gambiarra Literária



almíscar

Edson Bueno de Camargo

um copo
tombado à mesa

as últimas gotas
nas bordas da toalha
leves cristais
nas pontas do rendado

no ar
um perfume almiscarado

(rastro de uma presença)





Exercício de criação 25

http://gambiarraliteraria.blogspot.com/2011/08/exercicio-de-criacao-25.html





Exercício de criação 24 - Gambiarra literária



pitangas maduras

Edson Bueno de Camargo


seguir pelo asfalto molhado
até a trilha de outono
em que folhas miúdas
indicarão o caminho

se estivermos
na primavera
pode ocorrer
a presença
de pequenas flores amarelas

caminhe em passos lentos
sem pressa alguma

onde o chão estiver
forrado de pitangas maduras

estará lá minha casa





Exercício de criação 24
http://gambiarraliteraria.blogspot.com/2011/08/exercicio-de-criacao-24.html

Clichê de Eisenstein - Gambiarra Literária 23

Clichê de Eisenstein


1. A mão levanta a faca.
2. Os olhos da vítima abrem-se repentinamente.
3. Mãos agarram uma mesa.
4. A faca desce.
5. Olhos piscam involuntariamente.
6. O sangue espirra.
7. Uma boca solta um grito.
8. Algo pinga no sapato.





1

corte


uma lâmina curta
percorre o deserto
entre omoplatas e pulmões
e carrega pedras de lágrimas

não é corte profundo
somente o suficiente
para que sangre
seguro e contínuo
sem se talhe
ou se interrompa

é necessário sangue
carece
que vaze
como um pequeno rio

mão precipitada a aço
não é cirúrgico o talho
mas carrega a gravidade
de galáxias moribundas

não é mão gentil
de costas e sem um espelho
o verdugo invisível



2

pesadelo


despertar
dentro de um sonho
ainda em um pesadelo
ter a alma em susto
arrancada a ponta de faca

punhais de gelo glacial
lástimas
e crisálidas cruas da vela
luzes que crepitam
e criam fantasmas pálidos

acordar para a morte
o torpor do sono da morte
as bailarinas ciganas da morte
o riso cínico da morte

sem uma carta
para o avesso
a mesa posta para o norte
da morte

o balbucio do medo
rouco
triste
e depois

a conformação


3

mesa


a mesa

o cerne duro da madeira
três toques para espantar
má sorte

inúteis

dedos crispados no lenho do cedro
dor líquida e vermelha
percorre em rios subterrâneos

há de permanecer ali
olhos vazados de alma
até que o dia se extinga
entre a língua
e o leque de cores quentes

há os espaços dos pássaros roxos
seu canto
uma mensagem

ruflar de asas de anjo
que abandonam a cena
desconcertados

a dor

lembrar da dor


4

gravidade


nada mais preciso
que a gravidade
e seu canto cósmico
desde o limiar das eras
o movimento
que antecipa todas as rotações da terra


na parede um calendário lunar
signos chineses a dançar em círculo

todos os espelhos da casa quebrados
sete noites de azar
em suor e panos velhos

esta camisa por mortalha



5

olhos


por três vezes
os olhos fitaram o lume
luz que se turvava lenta e triste

olhar
e nunca mais repetir este gesto
três vezes será o suficiente

terá de ser

o suor novo
e ainda assim se renova
corre em bicas
e os líquidos se misturam

as paredes
são testemunhas
do tentar


6

sacrifício


vulcão de jorro contínuo
não ama mais
o espaço contido
e sofre a pressão

espasmo

lava a madeira rústica do chão
lava o encardido das eras
todos os testemunhos históricos
do pó

fluxo bento
doado aos deuses
dádiva tomada a força


tudo retornará em sacrifício



7

boca


quanto tentou gritar
era tarde
a donzela branca já o cercara

urro silente na boca aberta
congelado como brasas

grito de pesadelo
dos lentos e arroxeados
dos que não tem som

o som
de um gargarejo de sangue
gutural
tinge os dentes e os lábios

saliva e carmim

do boi
só não se aproveita o berro

a resposta

silêncio



8

gotejar de relógios


uma mancha
que se avoluma aos poucos
gotejar de relógios

derramar o azeite da vida
em claro desperdício

nada afaga melhor um punhal
que o doce e quente sumo ferruginoso dos ossos


sapatos que tanto se encharcaram
de chuva fina e de monções
do cal das obras
do fino repasto dos vermes

outrora rotos
agora tintos

deitar o regaço sobre a mesa
como
uma oração abatida
a foice

descansa com vagar
e olhos abertos
perdidos na porta
por onde calmo
um vulto se esgueira


de Edson Bueno de Camargo



exercício de criação 23
http://gambiarraliteraria.blogspot.com/2011/07/exercicio-de-criacao-23.html

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Tristeza



Gostaria de sentir raiva, mas o que sinto é uma profunda tristeza, nós que um dia embalamos bandeiras de sonho, fomos jovens de pés no vento, só podemos ver pessoas que estão se solidificando em profundo pragmatismo, em uma violência que renega e desonra nossos mártires.   Há um apequenamento destas pessoas que se aboletam no poder e esquecem suas origens. Dá medo de ficar igual, de se perder também, e se isto acontecer, como poderia encarar minha própria face no espelho.

‎"Los tiranos pasan, los poetas siguen de pie, no se asesina la fé. Las palabras siguen, no se puede el rio parar. " (Tony Osanah / Enrique Bergen)

Puro diamante - Else Lasker- Schüler



Else Lasker- Schüler. poema expressionista da alemã


Puro diamante


Sonhei no teu rosto
Meu céu estrelado.

Dei-te
Todas as minhas alcunhas coloridas.

E pousei a mão
Sob teu passo,

Como se assim
Chegasse ao Além.

Agora sempre chora
Do céu a tua mãe,

Pois me esculpi
Da carne de teu coração,

E, caprichoso, repudiaste
Tanto amor.

Está escuro -
Só chameja
A luz de minh'alma.


Presente enviado por POESIA SIM - http://lausiqueira.blogger.com.br

"A ciência é grosseira, a vida é sutil, e é para corrigir essa distância que a literatura nos importa."
(Roland Barthes)

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Em minha cidade a Arte e a Cultura perderam mais uma batalha para a estupidez e a burocracia.

 
 
Abro o jornal pela manhã e acabo frustrado, infeliz e com raiva. Não, não é o que sinto todos os dias. Em geral sinto nojo ou indiferença. No dia de hoje vi um soldado verdadeiro tombar no campo de batalha. Em minha cidade a Arte e a Cultura perderam mais uma batalha para a estupidez e a burocracia. Que os deuses tenham piedade de nossas almas, porque os corpos fenecem.
http://www.dgabc.com.br/News/5918058/aliado-de-rogerio-santana-apoia-atila.aspx
 

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

A Paz Desejada - Castelo Hanssen

 
 
A Paz Desejada
Castelo Hanssen


Eu quero a paz, mas não a paz dos brejos,
Do sangue coagulado.
Não quero a paz dos cemitérios.
Do homem humilhado.

Não quero paz do “Sim Sinhô”.
Não quero a paz da cidade bombardeada.
A paz dos escombros.
A paz dos derrotados.
A paz do Nada.

Não quero a paz sob o tacão de botas
De ditadura onipotente.
A paz dos que calam e consentem
Com medo de falar.

Só quer a paz, só aceitarei a paz
Quando vier, sorrindo, de mãos dadas
Com os homens que lutam e trabalham.
Só quero a paz quando sorrir nos campos
E os campos pertencerem aos seus filhos.
Só quero a paz quando ela andar nos trilhos
Acompanhando jovens namorados.

Só aceito a paz quando cantar no apito,
Da fábrica, livre, nas mãos dos operários.
Quando não houver mais medo, frio ou fome.
E não houver mais ricos salafrários.

Só quero a paz depois de ganha a guerra,
Onde as armas são luz, amor, verdade.
Só aceito a paz, irmã meiga do povo,
Da justiça, do amor, da fraternidade.

**

in “Canção pro Sol Voltar “ 1983, Edições Mariposa, Mauá, SP,

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Entrevista cedida a Marcelo Novaes

sexta-feira, 5 de novembro de 2010


Édson Bueno de Camargo











MN
: Édson, como você canaliza a tua "natureza indômita e selvagem" para a poesia? Afagar os pelos de uma lagarta de fogo queima tua própria mão?




EB: Acredito que a civilização domesticou praticamente todos os instintos humanos. O que em geral chamamos de selvageria: genocídios, homicídios, violência, roubo, estupros, não são mais que manifestações bem humanas e próprias dos “civilizados”, presentes em todos os momentos e movimentos civilizatórios da espécie humana. Existem evidências arqueológicas da prática de limpezas étnicas e genocídios no período neolítico. Há indícios que havia outros humanos que foram dizimados por nossa espécie. Portanto, a verdadeira "natureza indômita e selvagem" deve se manifestar na compaixão, na afeição e na ternura, em face da possibilidade do encantamento, e não pelo alinhamento à ordem estabelecida. A poesia por não apresentar um valor de face, está fora do grande plano civilizador e dos grupos econômicos, sendo assim, torna-se algo que em si própria já é uma rebelião. A rebelião não quer instalar uma nova ordem, a rebelião é a mãe do caos, a poesia também. Em paralelo, a poesia segundo Otávio Paz em sua obra “O Arco e a Lira” é o que nos torna humanos de fato, e o mesmo autor condena a civilização ao seu fim se a poesia desaparecer. É paradoxal, mas não é.


O caminho natural para o poeta é a contemplação, mas o poeta também é um animal de seu tempo, então o encantamento pode se dar em condições que aparentemente não conduziriam ao “belo”. A arte pode encontrar o seu caminho junto às coisas cotidianas, corriqueiras e comuns. Como nos diz a poeta russa Anna Akhmátova, ela pode estar no lixo ou no mofo escondido na parede. Ou nas lagartas de fogo que eu e meus pares da época temíamos tanto na infância, pois queimam como fogo, dão febre, criam ínguas e em pessoas mais fracas podem levar até à morte. Para mim, a experiência com o poema deve ser algo assim, nada chocho, nada morno, se não queimar não aconteceu. A poesia ou é uma questão de extremos, ou não se manifesta. Mesmo um kai-kai de Bashô, tem que nos deixar estupefatos com sua simplicidade e condensação de significados. Tem de ser uma experiência única.



MN: Qual a importância do que não vemos para constituir aquilo que dizemos? Há algum lugar para o Sublime na fala? Ou estará o Sublime mais ao alcance das outras Artes & Ofícios?



EB: Costumo dizer para pessoas que passaram por minhas oficinas, que vivemos em vários mundos, como se os lugares fossem uma sobreposição de muitas realidades distintas, mas entrelaçadas entre si. Passaremos milhares de vezes por um lugar, sem nos darmos conta de nada diferente, até que um dia sem mais nem menos, reparamos em uma crisálida presa ao galho de uma árvore, e assistiremos o nascimento de uma borboleta, ao assistirmos esta metamorfose com os olhos do descobrimento, mudamos nós também. Como em um processo alquímico. Um novo mundo se revela aos que o buscam. Este sempre permanecera oculto a quem não o quer enxergar. É preciso ver o mundo cotidiano com os olhos de estrangeiro, ver cada coisa como se fosse a primeira vez, e depois esquecer, para nos deslumbrarmos novamente.


Ver é uma questão de treino, o que não vemos está ao alcance de nossos olhos o tempo todo, a poesia está presente nas coisas, colocar esta visão do extraordinário no ordinário, é que faz algumas pessoas poetas. O grande problema é que depois de enxergarmos o invisível, não é possível voltar atrás, o que pode ser a fonte de grande sofrimento.


O Sublime se manifesta o tempo todo, todas Artes e Ofícios tentam capturá-lo, para mim isto é a poesia. Uma fotografia pode ser uma mentira, ou o realce de algo obscurecido, e revelado quando separado de sua realidade. Há poetas que não escreveram uma única palavra, o são, e isto basta, outros viciados no verbo, como eu, escrevem o tempo todo tentando por em palavras uma experiência muito pessoal, só quando o leitor tomar posse de nossa obra ao lê-la, que de fato este intento é alcançado.


MN: A estética é confortável em alguma instância ou momento, ou ela é irmã da inquietude?



EB: Faço minhas as palavras do poeta Mario Quintana, o conforto da estética é o fim da poesia, vira método, vira fórmula, é esteticamente bonito e palatável, mas não tem alma. Situações confortáveis são perigosamente domesticadoras, um tubarão perde seu instinto de caça se alimentado na mão por duas semanas, depois disto, solto na natureza morrerá de fome. Um poeta sem instinto, será um ótimo cão de guarda para livrarias, mas será apenas a sombra do animal do passado.


Mas há o perigo oculto, que com a desculpa da inquietude não se faça nada consistente. Um artista, mesmo que para esculhambá-la, tem de ter o domínio e o conhecimento da técnica. Para que sua obra seja de fato autoral, devemos saber se não estamos nos repetindo, ou caindo em um simplismo que nada tem de útil.


A inquietude não pode ser desculpa para falta de qualidade, de trabalho, de necessidade de conhecimento.



MN: Sobre quais autores você gostaria de jorrar a luz de teus olhos, iluminando-os [descobrindo-os, ou redescobrindo-os] com o teu modo de ver?


EB: Sob o risco de ser acusado de bairrista, mas existe em minha cidade (Mauá-SP) dois poetas que aprecio muito, um é Macário Ohana Vangélis, uma pessoa que se tornou personagem de si mesma, dono de uma estética anárquica e totalmente livre. Há uma grande força de expressão em seus contos e textos, que caminha entre o poema e a prosa poética. Outro nome que me vem à mente é Jorge de Barros, uma pessoa jovem, com uma alma antiga, dono de poemas que me causam uma boa inveja, ambos carecem de um pouco de disciplina para que de fato construam uma obra.


Existe um poeta de Bauru o José Carlos Brandão, que está a bastante tempo na estrada, e que faz uma poesia de uma beleza rara. E muitos outros, que terão de me perdoar, pois não caberiam tantos nomes.


Contrariando o coro dos descontentes, tenho encontrado muita gente boa escrevendo por este Brasil afora, não vou fazer uma lista, mas há mais gente dentro da invisibilidade do que fora dela. Outra coisa interessante é a capacidade de descobrirmos poetas que podem estar obscurecidos, por estarem fora da mídia. Aconteceu algo assim comigo com a poeta Anna Akhmátova, bastante conhecida, mas que não tinha chegado aos meus olhos e ouvidos, para mim foi uma grande comoção. E assim acontece com tantos outros, ou nem tanto outros, passei a ler Drummond, com mais atenção depois que vi um grupo de universitários detratando sua poesia, e descobri um poeta emocionante e inspirado. O poeta Lau Siqueira, em certa ocasião me mandou um poema de Else Lasker-Shüler, que até então não conhecia, e descobri uma poeta com imagens desconcertantes, com uma obra em que tive de mergulhar. E por ai vamos indo.



MN: Tua poesia é orgânica? Sendo ela orgânica ou não, defina-me o que seria uma poesia orgânica, pra você. As palavras brotam do corpo?



EB: Existe uma razão matemática no que chamamos crescimento orgânico, esta se chama Proporção Áurea, e foi usada à exaustão pelos renascentistas, para criar harmonia em suas obras. Ora se existe uma razão matemática para o crescimento das plantas, deve existir uma ordem natural para as coisas, nada surge do nada.

Imagino que uma poesia orgânica deve ser algo como uma brotação, a partir de um rizoma surge um broto, que cresce, respeitando uma ordem matemática, e se torna uma árvore ou coisa que valha.

Mas podemos pensar em orgânico como algo que vem do corpo, órgãos, algo como a medicina grega acreditava, que os fluidos determinassem o humor, então a poesia orgânica deve vir do fígado, cuja biles produz a melancolia. Os românticos do século XIX tinham isto em alta conta.

No entanto existe mais uma maneira de se ver esta questão, a de que os poetas podem ser construtores do “tempo do sonho”, ao escrever a poesia estariam os poetas em contato com a raiz mágica do mundo, e conectados à humanidade, seriam a sua voz. O crescimento orgânico seria, portanto, referente às raízes invisíveis da terra.


MN: Tua poesia tem algo de onírico? Defina-me poesia onírica, por favor.


EB: Para os antigos, o sonho era uma parte da realidade, tão palpável quanto as coisas visíveis, Jung fala de uma consciência coletiva, a qual podemos conectar em determinados momentos ou condições. Escrevo muito por insight, sem mais nem menos, me vem um verso que me incomoda, e este incômodo vai de um crescendo que necessito escrever o poema. A palavra me assombra tanto quanto incomoda. Mas não acredito que haja algo sobrenatural em atuação, existem forças que desconhecemos completamente, mas estas são tão naturais como as leis da Física que regem nosso mundo.

Uma poesia onírica se dá mais pela linguagem do que pela origem, a língua do sonho não é a mesma que usamos cotidianamente, ela é mais desordenada, ou melhor, tem uma ordem e lógica própria e pessoal de cada um. A construção das frases e a sobreposição de palavras, é mais fragmentada, não se atém a um único assunto, e estes se misturam. O que parece caótico em um primeiro momento, tem uma ordem, que pode ser percebida ou não, é preciso separar todas as vozes do poeta para compreendê-lo. Isso só é possível no mergulho, na leitura do que o poema está querendo dizer para você, e não no que diz no sentido lexical e da sintaxe. No poema a palavra não é uma simples nomeadora. No onírico a palavra constrói as coisas, na medida em que é falada.

Não sei afirmar com certeza se minha poesia tem algo de onírico, diria que é fragmentária e se compõe de imagens poéticas, comungo com os xamãs que crêem que o sonho é só mais um aspecto da realidade, creio que a poesia é uma forma de traduzir isto.



MN: Algum autor te alimenta, ou afaga tua pele indômita?


EB
: Que se pese já ter ouvido que ecletismo é desculpa para falta de gosto, tenho lido muito e de tudo. Descubro a cada dia que há algo novo, há uma pessoa nova para nós, mesmo que já esteja à luz do mundo a muito tempo. Contrariando os críticos de tudo e de todos, há uma moçada nova muito boa por ai, e os velhos sempre estão a nos dar lições novas, um não vive sem o outro. Quanto mais mistura estética melhor.

Existem muitas influências, e elas estão acontecendo ainda. Quando comecei a escrever, um poeta quase naïf chamado Aristides “Castelo Hanssen” foi uma grande motivação; Cláudio Willer nas oficinas da Casa da Palavra de Santo André, no momento certo me apresentou os poetas surrealistas, em especial os portugueses, Mario Cezariny e Herberto Helder. O poema “O amor em visita” de Herberto Helder foi um divisor de águas em minha poesia. Não posso deixar de citar Mario Quintana, nem tanto na forma, mas na alma. Cecília Meireles, Ferreira Gullar, João Cabral de Melo Neto, e uma infinidade de nomes aos quais não estou fazendo justiça. Leio muito a garotada que está chegando, muitos blogues e revistas na Internet. Na minha opinião, a poesia nunca está completa ou acabada, é um processo, e as possibilidades de influência são infinitas, acredito que a literatura é intertextual, se faz de muitos fazeres.


MN: O horizonte-da-morte [ou a morte-no-horizonte] ajuda a poetar, ou atrapalha?


EB: Existe um poeta de Bauru, José Carlos Mendes Brandão, que tem uma frase muito boa para isso, “escrevo poesia porque vou morrer”, o poeta convive com sua extinção com mais detalhamento que as pessoas presas ao cotidiano. A morte é a única certeza absoluta, nascemos grávidos de nossa própria morte, alguém já disse. A imortalidade só é possível pela arte, as pessoas morrem, suas obras têm o poder de atravessar o tempo.

O horizonte-da-morte, não só ajuda a poetar, como também é um tema muito bom e recorrente. É a velha dicotomia entre as pulsões, vida e morte, Eros e Tánatos não são irmãos por mero acaso. Penso que depois da própria poesia e os poemas metalingüísticos gerados nesta forja, a morte é o assunto preferido dos poetas. Talvez, no meu caso, os melhores versos que tenha escrito em minha vida se refiram à morte.

“que ser homem é carregar a aspiração
de sempre retornar a úteros escuros
descer às mais profundas fendas e cavernas
e que morrer é se vestir de terra
para que uma mãe telúrica venha nos afagar os cabelos”




MN: Obrigado, Édson.





http://marceloconversacom.blogspot.com/2010/11/edson-bueno-de-camargo.html